Farol de Areia

Reunião de imagens e textos de Thomas J Schrage

Vigília

Nossa casa se equilibrava no alto de um dos morros que se erguiam como vértebras antigas — espinhos dorsais de um mundo adormecido em pedra.

Desde cedo aprendi que não era à toa vivermos tão no alto, tocando as nuvens. A importância de nossas vidas era estar atento, em guarda de algo que eu ainda não descobrira.

De onde estávamos, protegidos por escarpas, víamos o vale inteiro: as árvores magras como dedos preenchendo o vazio deixado pelos meandros de um rio; as aves, as nuvens, os sóis e as luas.

Seria assim como eu descreveria o meu mundo, com minha vista captada pelo movimento das coisas belas. Meus pais provavelmente falariam para você unicamente sobre o que eles chamavam de "caminhos", as lacunas vazias que determinam os rumos entre um ponto de origem, qualquer, distante, até nossa casa. Eram os espaços vazios e monótonos no céu ou as trilhas esmaecidas entre as montanhas, como cicatrizes.

Assim éramos nós três: sentados em silêncio, rostos virados em todas as direções, como sentinelas do invisível — ora para o céu, ora para as trilhas.

Às vezes meu pai descia pelas trilhas, levando consigo nosso animal — uma criatura de lombo firme, meio jumento, meio lenda. Quando voltava, trazia relíquias estranhas do mundo além do nosso: pregos, cordas, carne.

Se havia crianças para lá da trilha? Não sei. Raramente eu podia ir até o riacho, quanto mais tão longe. Mãe explicava-me que não havia nada lá fora a ser visto de importante. Apenas a nossa vigília, do alto de nosso morro, valia a pena.

Nesses calmos e rotineiros dias, minha companhia era modesta, composta unicamente de umas aves “tipo-galinha” — criaturas desajeitadas, mas leais. Não eram galinhas de verdade, nem nada que se pudesse encontrar nos livros esquecidos lá embaixo. Meus pais nunca tentaram nomeá-las de verdade — diziam apenas que pertenciam àquela fauna indefinida, só mais uma nota curiosa na sinfonia dissonante que era o nosso mundo.

Mas, eu via nelas algo mais. Cada uma das “tipo-galinhas” era alguém para mim. Indivíduos únicos, com nomes próprios: a Bicuda, a Colorida, a Fujona, e, que saudades, a Dorminhoca. Eu Recolhia seus ovos, às vezes os cozinhava.

Foi pela morte da Dorminhoca que aprendi realmente o que era tristeza. Lembro de uma monção em particular, realmente assustadora. Não que as outras não fossem. Nelas, havia o ritual de meus pais preparar a casa e então nós dormíamos empilhados com os animais no porão, escondidos do frio, do vento e dos trovões. Mas naquela noite, Dorminhoca não acordou.

Meu pai disse que foi o susto do trovão. Achei impossível. Ela era velha, sábia, conhecedora dos temporais. Mas às vezes, pensei, até as criaturas mais habituadas à tempestade se cansam.

Meu pai era como pedra gasta: grisalho, enrugado, inabalável. Quando uma vez cortei meu pé, fiquei dias choramingando, querendo colo e mimos, no que minha mãe achou graça. Ele, quando sofreu corte ainda mais fundo, apenas rosnou de frustração, não pela dor, mas pelo tempo perdido e trapos manchados desperdiçados. Como se estivesse cansado demais até para sentir a dor.

De tanto observar, tornei-me perito em sutilezas que mudavam destinos. Pelo desenho de uma revoada sobre o rio, sabia se havia peixes — e se comeríamos. Pelo andar sonolento das nuvens, previa chuvas com semanas de antecedência. Bastava um brilho incomum no vermelho de um dos Sóis e eu temia incêndios rastejando pelas matas.

Adorava o contraste do céu azul contra o vermelho das rochas. No nosso mundo, as cores vinham dos pássaros — e só deles.

O voo deles era meu divertimento. Os que mais me fascinavam eram os que não paravam, que cruzavam distantes, indiferentes à nossa montanha, à nossa casa, à nossa vigília.

Disse uma vez à minha mãe que queria voar. Ir até o fim do vale, tocar as estrelas. Ela chorou. E meu pai me proibiu de repetir aquilo. Quis dizer que era só um devaneio, que eu sabia que asas não nasceriam de mim.

Assim, aprendi a falar com eles só sobre coisas práticas. Quantos ovos recolhi, a quantidade de espigas que restavam armazenadas, ou sobre minhas impressões do clima. Sobretudo o clima.

Certa vez, comentei que as monções estavam chegando. As nuvens já voavam baixas, tingidas de cinza e, por vezes, se desfiavam numa névoa fria que escorria pelos galhos como um lamento.

Meus pais foram ao porão forrar as paredes com capim seco e cavar valas no chão por baixo do assoalho de pedras. Quando a água da monção alcançava o chão, subíamos o assoalho com mais pedras e madeiras. Era sempre um balanço entre viver por meses em um ambiente úmido, dormindo sobre a lama do chão encharcado, contra o risco de ficar na casa, expostos ao vento que poderia levar as paredes e com elas nós mesmos.

Foi então que vi.

Algo vinha pelo céu.

Não — muitos algos.

De imediato soube: não pertenciam à paisagem. Eram estranhos demais. Voavam retos, sem vacilar, ignorando os caprichos das correntes de ar. Diferentes dos pássaros, não eram coloridos, mas pretos e reflexivos, como a pedra escura e polida que minha mãe guardava numa caixinha, ou como o riacho calmo, em uma grave noite sem luas.

Eram também barulhentos. Mesmo de longe, eu ouvia um ligeiro e crescente zumbido. Tudo no nosso mundo aprendia logo que o silêncio era vital para a sobrevivência. Nossos pássaros não cantavam.

Tantas regras que a natureza impunha ao nosso mundo e que intuitivamente aprendi como certas, sendo quebradas por aquela novidade, implacável na sua lenta vinda. Aquilo era feito pelos homens, e homens de longe, que eu nunca havia conhecido.

Gritei chamando o meu pai, gritei para minha mãe.

Meu pai ficou estanque ao meu lado, apoiou a mão no meu ombro e suspirou. Mandou-me acender a fogueira. A minha mãe começou a chorar, um choro diferente.

Foi quando percebi que a nossa vigília era apenas um esperar, e ela havia por fim terminado.

Esse é um conto marcado por uma escrita talvez mais enigmática, com um ritmo próprio. Enquanto outros dos meus contos exploram a experiência de estar em um planeta isolado, sem comunicação — como em Esperança em Detrito —, aqui quis experimentar essa mesma sensação de um modo mais onírico, também como um exercício de escrita, lembrando talvez um pouco mais alguns autores mais contemporâneos.