Farol de Areia

Reunião de imagens e textos de Thomas J Schrage

Sereia

Quando criança, ela se deitava na areia e cantarolava, deixando a pulsação salgada do mar vir e vir sobre o seu corpo. Só saía dali quando o chamado agudo da mãe — uma nota dissonante no coro das ondas — a chamava e o pai começava a recolher o colorido guarda-sol. Então, a menina, um nó de teimosia salgada, murmurava que a vida longe da água era um erro, e que não iria embora.

— Não seja manhosa, já está tarde! Você não é uma sereia. — A voz da mãe, seca como areia sob o sol do meio-dia, tentava ancorá-la em terra firme.

Ah, mas se a cruel arquitetura da realidade decretava que ela não possuía uma cauda prateada, talvez pudesse voar para longe e ser uma astronauta, explorando caixas pela casa, andando com um capacete improvisado.

— Não, sério, o que você quer ser? — A pergunta dos adultos pairava no ar, exigindo que o infinito se encaixasse em caixinhas limitadas.

Uma estrela. Uma poetisa. Uma heroína cujo coração batesse num ritmo épico. E não ser nada — seria uma opção? Não era. Descobriu, com a puntura fria da sabedoria, que essa escolha não existia nos formulários do mundo.

Os professores diziam que ela era boa em ciências. Talvez uma inventora? Seu nome entraria para a história, ganharia prêmios.

Mas, apesar de tudo isso, a vida — uma artesã de caprichos próprios — tinha outros planos para ela. Escolheu-a para ser dona de casa. E ela amou sua família, cada fio daquele tecido complexo de afeição e rotina. Mesmo que, às vezes — bem, várias vezes — se sentisse solitária.

Solidão essa que cresceu quando seus filhos, agora adultos, saíram de casa para construir seus próprios lares. Piorou quando ela esqueceu onde moravam, seus nomes, até mesmo a matemática simples de quantos eram. Onde mesmo havia guardado a receita dos remédios?

Em meio à neblina esfarelada dos dias, não houve surpresa quando a levaram para uma viagem. Uma garotinha desconhecida, chamando-a de vó, segurou-lhe a mão, conduzindo-a por caminhos que ela não reconhecia mais, até a beira... sim, até a beira do mar.

Quando a água a tocou, ela finalmente esqueceu o que sua mãe havia dito. A voz que insistia que ela não era uma sereia dissolveu-se com a branca espuma do mar.

Sentiu a familiar água salgada em sua cauda prateada, apreciou o querido Sol de verão em sua pele anfíbia. Com um suspiro que tinha o gosto de sal e de lar, deixou-se levar pelo mar.

Este conto nasceu de uma memória que não é minha, mas da minha esposa. Ela tinha quinze anos quando viajou com a avó para a praia. Recorda aquela experiência como o último momendo em que a avó ainda era, de algum modo, inteira. Embora já houvesse falhas na lembrança, pequenas ausências. Depois disso, o Alzheimer foi apagou o que restava.