Plantação de Feijão
23 de fevereiro de 2023Quando o velho Humberto viu a caminhonete laranja e azul da Defesa Civil chegando, estranhou. Não havia geada ou estiagem que sugerisse uma visita. Ficou ali parado, com a pá na mão, acompanhando o agente descer do carro e vir, todo sério, suado dentro do colete laranja.
— Boa tarde, senhor Humberto — o rapaz cumprimentou.
— Tarde, meu jovem. Posso ajudar?
O agente encarou Humberto por um tempo, com expressão fechada. Soltou um suspiro e foi direto:
— O senhor terá que plantar feijão, de agora em diante. — Tirou um papel timbrado de uma pasta, como prova.
Humberto encarou o papel com o cenho franzido. Nem se mexeu. Não saberia ler, de qualquer modo.
Em vez disso, também resolveu ser direto:
— O governo está tomando minha terra, é isso?
O rapaz deu um passo para trás. Aquela era a sexta propriedade que visitava. Pensou na sorte de ainda não ter levado um tiro.
— Não é isso. É devido às bombas atômicas. O governo está fazendo alguns ajustes quanto ao que é plantado. Priorizando alimentos, garantindo estoques, essas coisas.
Humberto tinha visto algo no jornal sobre uma guerra estrangeira, bombas nucleares, caos distante. Só não compreendia por que a guerra dos outros tinha a ver com ele ou seus legumes.
— O governo vai pagar pela mudança? — o velho perguntou, um pouco incrédulo.
— Vai sim. Um extensionista da prefeitura virá acertar. — O agente apanhou do colete um aparelho. — Só preciso checar algo antes.
O aparelho fazia um estranho barulho, como um radiozinho fora de sintonia. Humberto segurou a curiosidade, não ligava para essas modernidades da cidade.
O agente explicou, mesmo assim, o que era aquilo, seguindo o protocolo estabelecido.
— Este é um equipamento para medir contaminação. Não se preocupe, não afetará em nada sua plantação!
— O senhor tem que me desculpar, mas não tem contaminação nenhuma aqui. Nem uso agrotóxico — Humberto parecia ofendido.
O rapaz suspirou.
— Não é para agrotóxico, é para medir radiação. Ela pode vir pelo ar, pelas chuvas, mesmo de longe, sabe? — Fez uma pausa, anotando algo no papel. — Tudo certo. Virei aqui de mês em mês, conferir o senhor e a plantação.
— Só mais uma coisa — o velho disse, cansado. — Tudo bem tirar meus repolhos, tomates... Mas não queria mexer nos pés de café, não.
— Certo. Sempre precisaremos de café. Até mais, senhor.
Humberto murmurou uma despedida.
Quando a caminhonete passava pela porteira, resolveu que, na próxima vinda, ofereceria um café ao agente. Sabe, como agradecimento.
...
A cada visita, o agente passava o aparelho na miúda plantação, entrava e tomava duas xícaras de café amargo.
Foi pela décima visita que o aparelho, finalmente, fez um barulho estranho, apitando como uma chaleira nervosa. Humberto não precisava ser especialista para interpretar um mau sinal.
— O que é isso? — o velho perguntou. — A terra está contaminada?
O rapaz coçou a cabeça e assentiu.
— Até o café? — Humberto ponderou. — Vou jogar a garrafa fora.
O rapaz pensou um pouco. Lembrou como as coisas tinham ficado difíceis e como ficariam ainda mais.
Deu de ombros.
— Ah, precisa não. Vamos lá terminá-la.
Após tomar a corriqueira segunda xícara, o agente só teve um pensamento: ainda bem que, pelo menos, o gosto continuava bom.
Esse é um texto curto, e com mais humor, não tão comum em outros textos meus. Eu estava um pouco sem temas para escrever, e, trabalhando na Defesa Civil, pensei em fazer algo sobre, misturando com ficção científica. Assim, surgiu tanto este texto, quanto o seu irmão, "Jantar à Luz de Meteoro".