Uma Maçã
19 de maio de 2025Toda semana, Dário voltava da Central com o fardo familiar: pacotes selados, empilhados, rotulados no cinza institucional: “Ração tipo B”, “Pasta energética sabor baunilha”, “Complemento lipídico — família”. A comida padrão. Nutrientes otimizados, aprovada pela Organização – tudo rigorosamente dentro do esperado.
— Mais uma vez, ração e pasta — Alex resmungou, o tédio ecoando na voz. — Queria tanto experimentar uma fruta, pelo menos uma vez na vida.
Dário suspirava em resposta. Frutas eram um luxo proibitivo. Incrivelmente caras. Nem vendiam mais no Setor Éden 6, banidas para as Zonas Altas onde poucos podiam alcançá-las.
Os dias se arrastavam na rotina controlada: o zumbido dos transportes automáticos, o trabalho em cubículos luminosos idênticos, o entretenimento holográfico padronizado, a onipresente ração e a pasta. Até que Dário chegou em casa com uma energia diferente.
— Alex! Você não vai acreditar! — Os olhos de Dário brilhavam com uma excitação tensa. Nas mãos, uma caixa opaca selada com um lacre de segurança que Alex nunca tinha visto.
— O que é isso? — Alex perguntou, curioso.
— Meu bônus! Gastei a maior parte — respondeu Dário. — Mas... é para você.
Com cuidado, Dário abriu a caixa. Dentro, aninhada em um material de proteção que pareciam folhas de alumínio, havia... uma fruta. Uma maçã. Vermelha e dourada, imperfeitamente redonda, com uma pequena haste e um leve brilho ceroso na casca. Tinha um cheiro... diferente. Doce, mas com algo terroso.
— Meu Deus. Isso é... isso é real? Isso existe mesmo? – Alex gesticulava, mal contendo a empolgação.
— Existe. Custa o equivalente a um ano de pasta, mas existe – respondeu Dário.
Alex pegou a maçã com as duas mãos, como se fosse um artefato precioso. Sua superfície não era perfeitamente lisa; havia pequenas reentrâncias, variações de cor. Era estranhamente pesada.
— Como... como a gente come? — Alex perguntou de repente, a euforia dando lugar a uma perplexidade cômica.
Dário franziu a testa.
— Ah. Bem... a gente... só morde, eu acho?
Eles se entreolharam, a realização da ignorância caindo sobre eles. A ração e a pasta vinham prontas. Quais eram os passos para uma maçã?
— Ela tem umas manchas. É normal? – Perguntou Alex, um pouco para Dário, um pouco para si mesmo.
A IA da casa foi consultada.
— Higienização de frutas in natura: diluir uma colher de sopa de solução com dois por cento de hipoclorito de sódio em um litro de água potável. Tempo de imersão recomendado: quinze minutos — informou a IA.
— A gente tem esse negócio? — perguntou Dário para Alex.
Quem respondeu foi a própria IA:
— Não há hipoclorito no estoque.
— Então não podemos comer. – Alex suspirou.
Dário riu.
— Claro que podemos. As pessoas comiam isso direto, sem lavar. Até criança comia, direto do pé.
O ceticismo persistia no rosto de Alex.
— Mas… e essas pintinhas aqui? Isso é fungo?
— A gente pode tirar a casca. – sugeriu Dário. A fruta fora muito cara para ser descartada tão facilmente.
— Tirar a casca? Parece trabalhoso. Eu preciso de um tutorial. E... e a maçã tem um negócio bem no meio! Aqui, essa parte mais baixa. Será que algum bicho entrou aqui?
— É onde fica o caroço, talvez. – Dário também não parecia certo.
Com dificuldade, tentaram cortar uma fatia. A faca padrão, sem lâmina, não deslizou suavemente; a textura interna da fruta ofereceu resistência de um jeito inesperado. Quando finalmente conseguiram um pedaço, a superfície cortada começou a mudar de cor ligeiramente, ficando opaca.
Alex estava pálido.
— Eu... queria muito isso, sabe? Mas agora parece que a fruta quer me matar.
Ele empurrou a maçã de volta para dentro da caixa, a frustração evidente no gesto.
— Me dá uma pasta sabor baunilha, por favor.
Esse é um conto curto, e com um pouco mais de humor. Nasceu do contexto de que eu e minha esposa temos visão diferente sobre o que é uma fruta comestível. Geralmente, ela tem bastante preocupação com marcas em morangos, o que eu (desculpe falar) acho um pouco exagerado.